Quarta-feira, 15 de Março de 2017

O meu artigo deste mês no Praça Alta

O Mundo e a Caixa

I-O Mundo

Eu não sou pessimista, o mundo é que é péssimo, como diria José Saramago. De facto, as razões para ainda manter uma dose de optimismo, por pequena que seja, são cada vez mais escassas. Seja à escala que for, global ou paroquial, não se enxergam motivos para encarar o devir com aquela que se convencionou ser a cor da felicidade, o insípido cor-de-rosa.

Há um fogo enorme no jardim da guerra, escreveu uma vez Sérgio Godinho. Um jardim com canteiros espalhados por quase todo o mundo, mas em que o petróleo é seguramente o combustível mais usado para alimentar aquele fogo. O ambiente já não é de guerra fria, mas de aquecimento para uma guerra mundial, e isso é quase palpável. O surgimento por todo o lado, como cogumelos, de governantes com uma agenda populista, xenófoba e muitas vezes filo nazi, contribui de forma decisiva para ensombrar as perspectivas.

I’ve seen the Future, baby: it is murder, angustiava-se e angustiava-nos Leonard Cohen com o seu desespero elegante e sereno. E ainda ele não tinha visto nada quando escreveu aquelas palavras. A barbárie mediatizada do Daesh, os seus atentados e degolações, o Mediterrâneo pejado de cadáveres, os refugiados entre dois mundos que os repelem em simultâneo eram, nesses idos de 90, realidades inimaginadas. Os acontecimentos sangrentos, o paroxismo da violência, a vulgarização da barbaridade, são dados adquiridos para quem se dispõe a estar a par com o que ocorre por esse mundo fora e, por isso, liga diariamente o televisor ou a Internet.

Mas se todo o mundo é composto de mudança, como dizia Luís Vaz, o que faz com que essa mudança seja um vórtice, um sorvedoiro de vidas perdidas, de ideais desfeitos, de sonhos destruídos? As forças da entropia são bem mais poderosas que os laços construtivos ou as estruturas ordenadas. Poucos são os que mantêm desperta a bruxuleante chama dos ideais libertadores e que ao longo da vida não desistem de se guiar pela cartilha emancipadora. Aqueles que dedicam a sua vida à luta incessante por melhores dias, para que o Mundo seja um sítio mais habitável, para que todos possam usufruir de uma vida, no mínimo, digna, enfim, aqueles que querem que “isto” mude, não podem andar menos felizes. Com efeito, quando as coisas mudam, quase nunca é no sentido da melhoria, é quase sempre uma mudança feita de retrocessos civilizacionais.

E se continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança, para usarmos as mesmas belas palavras do velho e sábio Luís, é porque, à nossa volta tudo parece conspirar para que se cumpram as piores profecias e se adie para sempre a esperança de ver as coisas melhorarem. Basta estender a vista abarcando os vários continentes e em nenhum deles deixamos de ver países desfeitos, guerras constantes, o ódio, a xenofobia e a exclusão fomentados por governos de países ditos civilizados, o ressuscitar de velhas ideias, repescadas no bafiento baú do obscurantismo.

II- A Caixa

Como dizia no início, todo este panorama de confusão, incertezas quanto ao futuro, desagregação do status quo, pode ser encontrado tanto a nível mundial como aqui mesmo à nossa porta. Ninguém, minimamente atento aos sinais do tempo e que não sofra de algum tipo de alienação, poderá dar sinais de optimismo perante as novidades que surgem com alguma e indesejada frequência. Dizem os ingleses “no news, good news”, ou seja, não haver notícias já é em si uma boa notícia. Mais uma vez, não é o caso.

A última não se pode dizer que tenha caído que nem uma bomba, habituados que estamos às más notícias, mas é de certo modo inesperada. Trata-se, como já terão percebido, do possível encerramento da agência da Caixa Geral de Depósitos de Almeida. Se se tratasse de um banco privado que, por uma questão de gestão ou de rentabilidade decidisse encerrar uma agência, nada haveria a dizer. Mas tratando-se de uma entidade bancária do Estado, essas opções já podem ser discutidas e questionadas pelas pessoas que, clientes ou não, pagam os seus impostos.

Dito de outra forma, os critérios de gestão de um banco público não podem ser os mesmos de um banco privado que visa o lucro pelo lucro. A CGD, como banco público tem responsabilidades que vão muito para além da rentabilidade dos seus activos. Tem, antes de mais, responsabilidades sociais perante as populações onde as suas agências se encontram implantadas. Tem responsabilidades perante o tecido económico dessas regiões; acrescidas quando se trata de regiões desfavorecidas.

Tem também que ter em consideração que uma sede de Concelho não pode, de maneira alguma, ficar sem os serviços dessa instituição bancária. Com a agravante de que se trata de uma Vila que, em breve, como desejamos, poderá vir a ser classificada como Património da Humanidade pela Unesco com tudo o que isso pressupõe, não só de prestígio internacional, como de aumento do fluxo turístico e consequente dinamismo económico. Oxalá haja margem de manobra suficiente e vontade política para alterar esta desastrosa resolução.

Não admira que perpasse pelos habitantes de Almeida uma indisposição generalizada para com estas infelizes decisões dos gestores da CGD. E é pena que isso aconteça numa altura em que há uma tentativa mal confessada de algumas forças políticas em provocar dificuldades ao banco do Estado para uma eventual privatização, desiderato de que ainda não desistiram. Aqueles que, como eu, defendem uma Caixa Geral de Depósitos forte, saudável e pública, ao criticarmos as suas opções de gestão, não gostaríamos de ser misturados com os que querem o seu insucesso para a entregar aos privados. Mas também não gostaríamos de ser traídos pela instituição que defendemos.

Por tudo isto que fica dito, junto a minha voz a todos aqueles que exigem respeito por Almeida e que, contra todas as evidências, ainda acreditam no seu futuro.

 

 

publicado por Aristides às 13:01
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1 comentário:
De Manuel Norberto Baptista Forte a 20 de Março de 2017 às 11:53
Já o li e mais uma vez gostei do que li.

Contudo saliento o modo como é abordado o tema do possível encerramento (de entre outros previstos)da Agência da Caixa Geral de Depósitos, na Vila de Almeida, sede do Município.

Lamento que só e até agora, só o Executivo da Junta de Freguesia de Almeida se tenha pronunciado públicamente contra esta AFRONTA a TODOS OS ALMEIDENSES. Insisto: onde está uma tomada de posição pública de órgãos Autárquicos colectivos, como são os casos da Assembleia Municipal de Almeida, e do Executivo da Câmara Municipal de Almeida!?.

Que o abaixo assinado seja aquele meio expressivo de informação e tomada de consciência de quanto prejuízo (mias um) trará aos ALMEIDENSES, e a todo o Município, a dar-se mais esta economicista medida.

UM ABRAÇO.

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